Rodrigo Zeferino
Rodrigo Zeferino. A fotografia e o vídeo são a base instrumental para a construção de meus trabalhos, tendo a paisagem como principal tema. Comecei a fotografar na Faculdade de Comunicação e Artes da Puc Minas em 1998. Em 2006 realizo minha primeira individual. Recorrendo frequentemente à técnica de fotografia de longa exposição, minha obra discute questões contemporâneas diversas, mas está no cerne de todas elas o propósito de evidenciar como a geoeconomia mundial - e suas reverberações na industrialização, urbanização e exploração ambiental - impõe situações de condicionamento a várias camadas da sociedade, que são forçadas a se submeter a circunstâncias pouco favoráveis à existência humana e do ambiente como um todo. Já realizei exposições no Brasil e no exterior e algumas de minhas obras estão em acervos de museus como o MASP, MAM-RJ (Coleções Joaquim Paiva e Gilberto Chateaubriand) e o Museu da Fotografia de Fortaleza. Em 2020 publico meu primeiro livro de fotografias, a partir do projeto O Grande Vizinho, vencedor do Prêmio Foto em pauta 2019. Entre os prêmios recebidos estão também o Prêmio Mostras de Artistas no Exterior (Fundação Bienal de São Paulo 2010) o 1º lugar no Prêmio FCW de Arte 2016, o Prêmio Museu da Fotografia de Fortaleza (Fotofest Porto Alegre 2021) o 2º lugar no prêmio Iandé Photographie-Photo Doc Paris 2021.
Prêmios
Prêmio Aquisição Museu da Fotografia de Fortaleza 2020. Prêmio Funarte Respirarte 2019.
Prêmio Foto em Pauta para fotolivro, Festival de Fotografia de Tiradentes; 2017.
1º lugar Prêmio FCW de Arte 2016, Fundação Conrado Wessel, São Paulo; 2010.
Prêmio Mostras de Artistas no Exterior, Fundação Bienal de São Paulo; 2005.
Prêmio Usiminas de Artes Visuais, Ipatinga MG.
Publicações 2020.
Fotolivro O Grande Vizinho – Editora Tempo d’Imagem
Exposições 2019.
O Grande Vizinho – Galeria Leo Bahia Arte Contemporânea, Vitória/ES https://docs.google.com/document/d/1Zy-nPejli_rQCaumrC9vL8SqhhnDZ1WrgwalCpoxyt8/edit?usp=sharingS 2018.
O Grande Vizinho – Galeria Hideo Kobayahsi, Centro Cultural Usiminas, Ipatinga/MG. O Grande
Elogio da sombra
a poluição luminosa é um fenômeno típico das cidades contemporâneas e tem seus primórdios no início da Era Moderna. As lâmpadas que acendemos à noite para iluminar nosso caminho são também as responsáveis por “apagar” o céu.
a observação do firmamento sempre foi elemento essencial no desenvolvimento das civilizações. O céu noturno guiou navegadores e inspirou poetas. Mas, desde o princípio da modernidade, a visibilidade do cosmos vem se deteriorando, e sua contemplação é cada vez mais dificultada em muitas regiões do planeta.
na obstinação de ampliar sua fatia de território, o homem acende novas luzes e invade o escuro sem qualquer mesura. Contudo, a luminescência gerada em nome do progresso acaba se tornando relevante dilema ambiental: ao se expandir no espaço, a luminosidade se reflete nos gases da atmosfera e nas partículas sólidas suspensas, constituindo uma névoa brilhante que impede a observação do céu.
com base nesses argumentos, me propus a construir um ensaio fotográfico que literalmente lança luzes sobre a questão da poluição luminosa, um problema que permanece às sombras das grandes questões sociais.
O grande vizinho
o grande vizinho é um trabalho fotográfico que trata da peculiaridade do caso Ipatinga, cidade central do Vale do Aço mineiro, planejada na década de 1960 para abrigar uma grande usina siderúrgica. O trabalho é um olhar sobre o cotidiano da cidade e de seus moradores relacionado à assustadora proximidade da planta. As fotografias são feitas num raio de 2 km em torno da usina.
Perfomances entomológicas
o fenômeno moderno da poluição luminosa tem sido objeto central de minhas pesquisas desde meus primeiros anos atuando como artista visual. Desenvolvi trabalhos com diversas abordagens trazendo, no cerne de todos eles, o propósito de evidenciar o corolário pernicioso que este hábito humano – de acender novas luzes e invadir o escuro sem qualquer mesura – impõe sobre o meio ambiente, afetando a vida de animais de hábitos noturnos, impedindo a observação do firmamento, e influenciando diretamente a vida humana ao desestabilizar o chamado ritmo circadiano, mecanismo regulador das funções fisiológicas.
com o início da pandemia de Covid-19, tendo passado a maior parte dos anos de 2020 e 2021 confinado em meu apartamento, encontrei nos insetos notívagos alados, abundantes na região onde moro, um novo e acessível material visual para dar vazão ao impulso criativo, permitindo uma continuidade no aprofundamento deste tema que me é tão caro.
atraídos por fontes luminosas artificiais, esses pequenos seres voadores, exímios timoneiros do ar, acabam desorientados, desviam involuntariamente sua trajetória e são, quase sempre, sentenciados à morte.
Neste desvio dramático, seu ciclo vital se encerra precocemente, muitas vezes antes de cumprir sua missão definitiva, que é reproduzir e colaborar para a manutenção da espécie.
a série “Performances entomológicas” surge a partir do registro desse rastro deixado pelas criaturas – mariposas em sua maioria – em seu ato sistemático de voar em caóticas espirais cujos contornos se permitem fixar no plano fotográfico, ora em brilhantes arabescos assimétricos, ora em trilhos fantasmagóricos que possibilitam certo reconhecimento de suas formas anatômicas e cores. Em todos os casos, o que se fixa são desenhos de uma aspiração performática, algo aleatoriamente coreográfico que também pode ser visto como uma identidade biométrica do voo de cada inseto.
depois de capturar e colecionar milhares de fotografias de mariposas em seu voo noturno, passo a uma segunda etapa do trabalho, no qual sobreponho digitalmente dezenas ou centenas de fotografias em um único quadro.
na série “Trajetórias cósmicas de insetos fotófilos”, o trabalho evolui para um tipo de fotografia híbrida. Nesta fase de pós-produção, tomo por inspiração o repositório de imagens científicas que povoam o imaginário moderno versando sobre a aparência de corpos celestes e fenômenos astronômicos mais distantes no espaço sideral. Repenso aqui a relação da poluição luminosa com sua mais evidente sequela ambiental, que é o “apagamento” dos astros, haja vista que a aura formada pelas luzes urbanas artificiais impede uma observação nítida do firmamento durante a noite em zonas iluminadas.
nesta série os registros dos rastros brilhantes dos insetos são animados, um a um, combinando-se em composições cujos títulos são os nomes dados por cientistas a buracos negros, cometas, meteoros, supernovas ou nebulosas.
a obra final se apresenta como vídeos curtos que flertam com a linguagem dos GIFs, ou mesmo com os recursos de edição disponibilizados por aplicativos em smartphones, a partir dos quais é possível criar movimento em fotografias estáticas.
os efeitos sonoros que acompanham as imagens em movimento têm origem na pesquisa do astrofísico australiano Paul Francis, que se dedicou a captar sequências de ondas eletromagnéticas emitidas por estrelas (nascendo ou explodindo), cometas e buracos negros e as converteu em ondas sonoras, reduzindo suas frequências para uma faixa perceptível ao ouvido humano. É o que poderíamos chamar de ruído dos astros – ou canção das estrelas, para verter poesia.
apropriei-me, portanto, dessa audioteca estelar disponibilizada livremente pelo cientista em seu website (https://www.mso.anu.edu.au/pfrancis/Music/index.html), sobrepondo e rearranjando os sons para combiná-los com as sequências de fotografias.
Luz em excesso e política
nas reflexões imagéticas sobre a poluição luminosa, nos deparamos com as ideias de Jonathan Crary, em seu “24/7 Capitalismo tardio e os fins do sono” (2016), para o qual o avanço da claridade urbana sobre os confins do planeta atendem a anseios capitalistas diversos de um funcionamento contínuo e irrestrito de serviços, no qual “a insônia é o estado no qual produção, consumo e descarte ocorrem sem pausa, apressando a exaustão da vida e o esgotamento dos recursos”.
ainda em 1975, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini tratou, no texto que ficou conhecido como “O artigo dos vagalumes”, da iminente extinção destes insetos, vítimas dos excessos lumínicos da sociedade moderna. No artigo, Pasolini fala, em tom de lamento fúnebre, de como o brilho intermitente do vagalume se mostrava como um lampejo de inocência em um contexto político histórico marcado pelo aniquilamento cultural graças ao fascismo triunfante, um “fascismo radicalmente, totalmente e imprevisivelmente novo” que, apesar da condenação e execução de Mussolini, se mostrou irrefreável e, tomado em dimensão antropológica, vem sendo responsável pela supressão de grandes porções da sociedade, numa subordinação total ao modo de vida burguês.
com a imagem dos vagalumes, é toda uma realidade do povo que, aos olhos do cineasta, está prestes a desaparecer. Ponderamos, portanto – diante das agruras políticas vividas a partir do ressurgimento de uma onda conservadora que assume poderes em diversas regiões do mundo –, sobre como o pensamento do diretor italiano, mais de 40 anos depois, segue morbidamente atualizado.